Silêncio como fonte de encontro com Deus e consigo mesmo
setembro 09, 2021Foto: arquivo pessoal. |
Silêncio é o que muitos homens e mulheres da antiguidade buscaram, e hoje, muito mais do que uma busca, tornou-se uma necessidade. Mas estamos dispostos a buscá-lo verdadeiramente?
Algumas
pessoas são chamadas de silenciosas, outras de barulhentas, mas todos
experimentamos a realidade do silêncio, seja pelo cultivo de uma vida livre dos
ruídos exteriores e interiores, ou simplesmente pelos momentos de silêncio não
programados, pelos questionamentos para os quais não temos resposta, pelo
desejo de evitar uma confusão ou quando estamos simplesmente cansados.
Provavelmente você já pensou ou disse para alguém: “eu só quero ficar em
silêncio!”, e como é bom quando conseguimos fazê-lo.
O
silêncio é exigência da comunicação. Para que eu fale, é necessário saber
ouvir, e para ouvir é necessário silenciar. A criança fala depois de ter
aprendido, em silêncio, a ouvir. Deus deseja se comunicar conosco e, para que
isso possa acontecer, Santa Faustina nos aconselha:
“Para
ouvir a voz de Deus, é preciso ter o silêncio na alma e permanecer em silêncio,
não com um silêncio sombrio, mas com o silêncio na alma, isto é, estar
recolhido em Deus. Pode-se falar muito e não interromper o silêncio e, ao contrário,
pode-se falar pouco e sempre romper o silêncio. Oh, que dano irreparável
implica a inobservância do silêncio! Faz-se um grande mal ao próximo, porém
ainda maior à própria alma.”[1]
É
de suma importância o cultivo do silêncio como fonte de encontro com Deus e
consigo mesmo: este é um meio indispensável para alcançar a santidade.
Desprezar a vida interior é privar-se da presença de Deus, segundo Santa
Faustina: “O Espirito Santo não fala à alma distraída e tagarela, mas fala por
suas suaves inspirações à alma recolhida, à alma silenciosa [...]”.[2]
Os monges são
apreciadores do silêncio, como indica o monge Beneditino Anselm Grün: “O
silêncio é empregado pelos monges como um meio na luta pela pureza do coração,
a pureza e honestidade interior. Em primeiro lugar ele serve para evitar muitos
pecados que todos os dias nós cometemos com a língua.”[3] A
língua é um membro precioso, porém perigoso.
Existem quatro perigos
no ato de falar, segundo a experiência dos monges:
O primeiro perigo é a
curiosidade, pois leva à distração. O distraído ocupa-se com todas as coisas e
não se aprofunda em nada. Desta maneira é superficial, e não consegue mergulhar
em Deus. Quer falar de tudo e não consegue guardar o mistério. Deus é
“mistério”, e manter-se alheio a isto gera medo de Deus.
Para os monges, o
segundo perigo do falar é o julgar as pessoas. Normalmente o que falamos está
relacionado com o comportamento dos outros. Analisamos, apontamos, sem perceber
que estamos falando do outro com o intuito secreto de nos sentirmos melhores,
de nos engrandecermos às custas da pessoa julgada.
Um terceiro perigo do
falar é a vaidade. Comumente aquele que fala quer ser ouvido, acreditado,
admirado e reconhecido. Caso essas coisas não aconteçam, surge então a
tristeza. Isso é vaidade.
Em quarto lugar,
citamos a negligência na vigilância interior. Quando muito falamos podemos nos
perder de nós mesmos, de Deus, e correr o risco de afastar as pessoas, como diz
o ditado popular: “Quem muito fala dá ‘bom dia’ a cavalo”.
A regra de ouro que os
sábios da antiguidade ensinavam era que “saber guardar o sagrado silêncio é tão
importante quanto saber falar no momento certo”.
Os santos descobriram
que o silêncio é uma linguagem profunda que nos coloca em contato íntimo com
Deus vivo. Silêncio e oração constituem a unidade perfeita da vida interior.
Escreveu um monge siríaco, Isaac de Nínive:
Muitos
procuram avidamente, porém só encontram os que permanecem em contínuo
silêncio... Todo homem que se regozija com uma multidão de palavras, mesmo que
diga coisas admiráveis, é vazio interiormente. Se amais a verdade, sede amante
do silêncio. O silêncio, como a luz do sol, vos iluminará em Deus e vos
libertará dos fantasmas da ignorância. O silêncio vos unirá ao próprio Deus...
Acima de tudo, amai o silêncio; ele vos traz frutos que a palavra não pode descrever. No início, temos de forçar-nos a ser silenciosos. Porém, nasce então algo que nos atrai ao silêncio. Possa o Senhor dar-vos uma experiência deste “algo” que brota do silêncio. Se somente praticardes isso, uma luz indizível brilhará sobre vós como consequência... depois de algum tempo uma certa doçura nasce no coração, deste exercício o corpo é atraído, quase que à força, a permanecer em silêncio.[4]
Caro
leitor, acabamos de apresentar algumas pistas de como se aventurar na vivência
do silêncio. O propósito é o convite a um olhar para a própria vida, não só
para a quantidade, mas sobretudo para a qualidade do nosso silêncio, e para
enxergá-lo como oportunidade de autoconhecimento e “lugar” de relacionamento
com Deus.
Pe. Gabriel Maria Mãe da Misericórdia, FGMC
Irmãos de Jesus Misericordioso Contemplativos
[1]
DIÁRIO, A misericórdia divina na minha alma, Santa Faustina, Ed Mãe da
Misericórdia, Curitiba, Pr, parágrafo 118.
[2]
ibidem 552,
[4] MERTON THOMAS, A oração contemplativa, Ed. Ecclesiae,2018, p 46-47.
0 comentários